Comitê Brasileiro da Comissão de Integração Energética Regional

Desde 1966, o principal promotor da integração energética no Brasil

Aplicações Smart City sobre a rede Smart Grid de Ipiranga

Além de validar a viabilidade técnica da utilização das redes Smart Grids como meio de comunicação para aplicações voltadas ao conceito de Smart Cities e IoT, este projeto estuda a viabilidade econômica do compartilhamento da rede com as novas aplicações prospectadas, cujos resultados indicam que a solução é viável  . Assim,  este projeto foi um dos participantes finalistas da etapa nacional do Premio CIER de inovação 2022, na categoria Digitalização.

Prêmio CIER de Inovação 2023 está com as inscrições abertas. Participe com seu projeto! Entre em contato!

Agradecimentos autorais

Ressalto que o projeto de P&D que trata o tema de aplicações típicas de Smart Cities sob as redes de Smart Grids mostra a viabilidade técnica e financeira deste tipo de iniciativa. Tal sinergia caracteriza uma relação ganha-ganha entre as distribuidoras de energia elétrica e os usuários dispostos a compartilharem a infraestrutura de comunicação. Tal conclusão só foi possível por meio do projeto conduzido em excelência pela equipe do Instituto Lactec e financiado com recurso de P&D da Agência Nacional de Energia Elétrica, Aneel. Logo, ressaltamos aqui os nossos mais sinceros agradecimentos.

 

Resumo

A aplicação dos conceitos de internet das coisas (Internet of Things – IoT) e Cidades Inteligentes (Smart Cities) estão cada vez mais se popularizando ao redor do mundo. A busca por alternativas mais inteligentes que melhorem as condições de vida da população e ao mesmo tempo contribuam para a preservação ambiental de nosso planeta, passaram a ser premissas cada vez mais importantes na implantação de novos projetos. O que estas novas demandas possuem em comum? Necessitam de conectividade para que os seus sistemas obtenham os dados, realizem os processamentos necessários e gerem as informações para os usuários. Sem a conectividade entre os dispositivos, sistemas e usuários, simplesmente não teríamos Smart Cities nem IoT. Este projeto teve como meta a pesquisa, desenvolvimento, implementação e avaliação Aplicações Smart City concebidas e implementadas sobre uma rede Smart Grid já existente, com isso reduzindo a necessidade de investimentos adicionais para conectividade das novas aplicações.

Autor principal: Tiago Augusto Silva Santana (COPEL DIS)

 

Outros autores: Lourival Lippmann Junior; Giancarlo Covolo Heck; Victor Barpp Gomes; Adriel Guimarães. (LACTEC)

INTRODUÇÃO

A região central das grandes cidades costumam ser bem servidas de opções de meios de comunicação públicos e/ou privados. Podemos citar dentre algumas opções as tecnologias celulares (GPRS, GSM, LTE, 4G e 5G), de redes sem fio de curto alcance (Zigbee, Zwave, Thread, WirelessHart, Bluetooth e Wi-Fi) e de redes sem fio de médio e longo alcances (JupiterMesh, M-Bus, NB-IoT, LoRa, Sigfox e Wi-SUN). No entanto, nas cidades mais distantes de menor porte ou nas áreas rurais, não há viabilidade econômica para as operadoras de telecomunicações implantarem e operarem grande parte destas redes de comunicação. Nestes casos as opções se restringem ao uso de rádios ponto a ponto de longo alcance e às coberturas via satélite, como Bgan, Inmarsat e VSAT.


Por outro lado, para as distribuidoras de energia que pretendem melhorar sua eficiência e qualidade em todas as localidades que atendem, existe a alternativa de implantar o seu próprio meio de comunicação utilizando o conceito de redes inteligentes (Smart Grids). Isto foi realizado pela Copel no município de Ipiranga, o qual possui cerca de 15 mil habitantes em uma área de 927 km² (1). São aproximadamente 5250 consumidores de energia elétrica e 60% destes residindo na área rural. A Copel investiu em uma infraestrutura de telecomunicações para uso próprio, permitindo a cobertura completa do município, para a implantação do seu sistema de Smart Grid, que inclui as aplicações de medição e automação da rede elétrica.


A implantação de uma rede Smart Grid resulta em muitos benefícios para as concessionárias, refletindo na melhora dos indicadores de continuidade de fornecimento de energia e na redução de custos operacionais, entre outros tantos. A possibilidade de compartilhamento das redes de comunicação Smart Grid, além de viabilizar que outras companhias e a indústria ofereçam novos serviços para a população, permitirá que as concessionárias acelerem o retorno dos seus investimentos através da cobrança de pequenas tarifas pelo compartilhamento da infraestrutura da rede, dado que o custo de implantação das mesmas ainda é alto, principalmente em regiões rurais.


Este trabalho apresenta os resultados do projeto de pesquisa e desenvolvimento dentro do programa de P&D da ANEEL intitulado “Aplicações Smart City sobre a rede Smart Grid de Ipiranga”, contratado pela Copel e executado pelo Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento – Lactec. O objetivo foi validar na prática a viabilidade técnica, econômica e de desempenho do compartilhamento da rede de comunicação Smart Grid padrão Wi-SUN, originalmente implantada pelas concessionárias para prover acesso aos seus processos de telemedição e automação, com novas aplicações voltadas aos conceitos das cidades inteligentes (Smart Cities) e da internet das coisas (Internet of Things – IoT).

DESENVOLVIMENTO

A rede de Smart Grid da Copel em Ipiranga é formada por duas camadas de rádio frequência (RF). A camada superior, de backhaul ou WAN (Wide Area Network), é constituída por rádios de 900 MHz que operam nas topologias ponto-a-ponto e multiponto e possuem taxas de transferência de 125 kbps à 1,25 Mbps. A camada inferior, rede mesh ou FAN (Field Area Network), é composta por medidores inteligentes, roteadores e coletores de dados que operam no padrão Wi-SUN (Smart Ubiquitous Networks), o qual segue a especificação IEEE 802.15.4g

 

(2) e é promovido pela Aliança Wi-SUN (3). A Figura 1 ilustra a disposição georreferenciada dos equipamentos na rede presente em Ipiranga. Na Figura 1 (a) são ilustrados os links de rádio que conectam os religadores automáticos (marcadores amarelos), os reguladores de tensão (balões vermelhos) e os coletores de dados (estrelas verdes). Enquanto na Figura 1 partes (b) e (c) são ilustrados os componentes da infraestrutura avançada de medição (Advanced Metering Infrastructure – AMI), coletores de dados (estrelas verdes), roteadores (bandeiras azuis) e medidores inteligentes, área rural com pontos verdes e área urbana com pontos amarelos.

 

FIGURA 1 – Ilustração da Smart Grid de Ipiranga

Os módulos coletores são a interface entre a rede mesh e o link de backhaul até o sistema MDC (Meter Data Collection). Um coletor é capaz de atender até 2000 endpoints (medidores inteligentes ou módulos de rádio). Os módulos roteadores são capazes de atender até 1500 endpoints e sua função é de potencializar o alcance dos rádios, diminuindo o número de saltos na comunicação com os endpoints. O restante da rede é formada pelos medidores inteligentes (smart meters) e pelos módulos de rádio, sendo estes últimos utilizados para o desenvolvimento de novas aplicações sobre a rede. Cada novo módulo de comunicação é previamente cadastrado e configurado para operar na rede da empresa, o que aumenta a segurança do sistema.

 

A primeira etapa do projeto compreendeu a pesquisa de requisitos das aplicações a serem desenvolvidas, visando compreender quais aplicações de Smart City seriam mais úteis para a Copel, no contexto do compartilhamento da rede de Smart Grid, bem como para os moradores da cidade de Ipiranga.

 

De acordo com os dados coletados nas entrevistas realizadas com os moradores, a cidade de Ipiranga possui poucos problemas de cunho social que possam ser resolvidos com soluções de comunicação. A grande maioria dos moradores possui acesso à internet, este canal já possibilita que mesmo os moradores da região rural acessem informações relevantes para suas rotinas. Os entrevistados destacaram inclusive, a utilização das redes sociais pelos moradores da cidade, para a comunicação entre si e com a prefeitura.

 

A cidade não possui semáforos, a segurança pública não é um problema social, a comunicação entre os moradores acontece via internet ou telefone fixo. Assim, dentre as possíveis soluções típicas de Smart Cities pensadas para Ipiranga, as que fizeram mais sentido para o contexto da cidade foram: (1) o monitoramento do clima para auxílio à agricultura, (2) a medição de consumo de água e (3) o controle da iluminação pública.

 

A integração de estações meteorológicas permite que os agricultores da região efetuem o acompanhamento do clima, auxiliando nas tomadas de decisão de plantio, irrigação e colheita. Para esta aplicação foi escolhida uma estação que disponibilizasse os principais parâmetros a serem monitorados e que fosse adequada para integração com o módulo de comunicação da rede Smart Grid de Ipiranga. A Figura 2 ilustra o equipamento de medição, os módulos que foram integrados e a estação instalada próximo ao Lactec durante a realização dos testes de

validação

FIGURA 2 – Aplicação Estação Meteorológica

Os dados da aplicação da estação meteorológica são encaminhados em formato pré-definido pelo fornecedor da estação e correspondem a uma sequência de caracteres contendo os dados medidos. Esta sequência possui aproximadamente 80 bytes e é coletada a cada 15 minutos. Para a aplicação da estação meteorológica foi utilizado o próprio sistema fornecido pelo fabricante do equipamento para a coleta e visualização dos dados. A Figura 3 mostra os dados de velocidade do vento e luminosidade medidos pela estação e exibidos na tela do sistema.

FIGURA 3 – Gráficos visualizados no software da estação meteorológica.

Para a integração de medidores eletrônicos de água foi firmado um acordo de cooperação com a Companhia de Saneamento do Paraná – Sanepar, no intuito de criar uma solução que atendesse as necessidades do setor. O desenvolvimento da solução foi efetuado sobre medidores eletrônicos com a tecnologia de comunicação M-BUS, sendo necessário um circuito eletrônico de interface de sinais, além de uma CPU e do módulo de comunicação da rede Smart Grid. A solução permite, além da leitura remota do consumo de água, a identificação de falhas (vazamentos, violações, entre outros), bem como pode viabilizar a programação de fluxos de produção para otimização do processo de distribuição de água, caso implantada de forma massiva no futuro. A Figura 4 ilustra os componentes da solução, a placa de circuito impresso montada e o protótipo produzido

FIGURA 4 – Aplicação Medição de Água.

A aplicação de medição de água registra as medições do consumo acumulado a cada hora e infere situações de anomalia, como o excesso de consumo, com base em dados históricos registrados. As transmissões dos dados ocorrem uma vez por dia para o sistema de monitoramento que foi desenvolvido especificamente para esta solução. A Figura 5 ilustra um exemplo de gráfico de consumo exibido na aplicação.

FIGURA 5 – Gráfico visualizado na aplicação medição de água desenvolvida para teste do projeto.

A integração de dispositivos que permitem o monitoramento do estado das lâmpadas (acesa, apagada e/ou queimada), visam agilizar o processo de substituição de lâmpadas, bem como acompanhar com precisão o funcionamento do sistema de iluminação pública. Os equipamentos, além de identificar o estado da lâmpada, também medem a tensão e a corrente no ponto instalado e permitem controlar a mudança de estado (ligar e desligar) de forma automática ou em modo manual. A Figura 6 ilustra os componentes utilizados na solução, o circuito montado e o módulo instalado em uma luminária para a execução dos testes.

FIGURA 6 – Aplicação Iluminação Pública

Para o acompanhamento dos equipamentos de iluminação pública foi desenvolvido um protótipo de sistema de monitoramento específico. A Figura 7 ilustra uma tela georreferenciada exibindo os locais de instalação dos equipamentos e a indicação do estado das luminárias

FIGURA 7 – Tela da aplicação de monitoramento da iluminação pública.

Esta aplicação efetua no mínimo duas transmissões de dados por dia, programadas para ocorrer nos momentos de acendimento e apagamento da lâmpada, mas pode ser configurado para efetuar transmissões periódicas caso desejado.

 

ESTUDO DA VIABILIDADE TÉCNICA DO COMPARTILHAMENTO DA REDE

 

Nesta etapa dos trabalhos foram pesquisadas as características da rede de comunicação Smart Grid de Ipiranga e quais soluções poderiam ser utilizadas para se conseguir a integração de novas aplicações. Verificou-se que,

embora a rede utilize internamente o protocolo IPv6 com transporte UDP, ela não permite que os dispositivos de terceiros usufruam da flexibilidade do endereçamento IP e dos números de porta UDP diretamente.

 

A transferência de dados entre os módulos de rádio (dispositivos) e o sistema que gerencia a rede (Meter Data Collection – MDC) é feita via modo transparente e não há nenhum protocolo de controle no rádio: quaisquer bytes transmitidos por um dispositivo através da porta serial são transferidos inalterados ao servidor, e vice-versa.

 

Uma particularidade do sistema é que a aplicação externa que conecta ao sistema MDC deve utilizar uma API baseada em web service SOAP/XML para receber e enviar mensagens para os dispositivos equipados com os módulos de rádio. Esta aplicação deve gerenciar a conversão de endereços entre os módulos de rádio e as aplicações externas que desejam se comunicar com cada dispositivo.

 

Tendo em vista essas restrições, selecionou-se o MQTT-SN como protocolo de aplicação, atuando como middleware para o tráfego dos pacotes de dados das variadas aplicações de Smart City e IoT. A arquitetura de comunicação projetada é apresentada na Figura 8.

FIGURA 8 – Arquitetura do Compartilhamento da Rede Smart Grid com as Novas Aplicações.

Os passos da comunicação entre dispositivos e servidores de aplicações seguem a seguinte sequência: os dados dos dispositivos são encapsulados em pacotes MQTT-SN, são transmitidos para a rede Smart Grid, trafegam pela rede e são entregues pelo sistema MDC para tratamento pelos módulos Forwarder, Gateway e Broker, os quais fazem respectivamente o controle de endereçamentos, a conversão de protocolos e a gestão das assinaturas e publicações nas filas de mensagens (tópicos). Para a comunicação no sentido inverso, dos servidores para os dispositivos, basta inverter a ordem dos passos. Mas detalhes sobre esta integração podem ser encontrados no trabalho “GRID-CITY: A Framework to Share Smart Grids Communication with Smart City Applications” (4).

A viabilidade técnica do compartilhamento foi validada sobre o protótipo do sistema montado nos laboratórios do Lactec, o qual conta com todos os componentes envolvidos, deste os dispositivos até os servidores de aplicação.

 

ESTUDO DA VIABILIDADE ECONÔMICA DO COMPARTILHAMENTO DA REDE

 

O estudo de viabilidade econômica do compartilhamento da rede Smart Grid de Ipiranga iniciou pela verificação da legislação relativa a esta possibilidade. De acordo com o documento da ANEEL sobre os Procedimentos de Regulação Tarifária – PRORET, mais especificamente no submódulo 2.7, que trata sobre outras receitas obtidas pelas concessionárias de distribuição de energia (5), foi verificado que o compartilhamento de “serviços de comunicação de dados” é classificado como atividade acessória complementar, sendo caracterizado como uma atividade não regulada. O ponto importante desta verificação é que o percentual de compartilhamento das receitas decorrentes do provimento desta atividade pela concessionária é de 30% da receita bruta, antes do cálculo dos impostos devidos, 70% da receita adicional fica com a concessionária.

 

Para a avaliação da viabilidade econômica foi definido o seguinte cenário: instalação de 6 estações meteorológicas, 2239 medidores de água, equivalente aproximadamente à metade dos consumidores de energia, e 865 dispositivos de iluminação pública, número aproximado de postes com iluminação em Ipiranga, totalizando 3110 dispositivos. O valor mensal a ser cobrado pelo uso compartilhado da rede Smart Grid para cada um destes dispositivos é de R$30,00 para a estação meteorológica, R$ 2,50 por medidor de consumo de água e R$ 0,12 por dispositivo de iluminação. Valores que correspondem respectivamente ao custo médio mensal de um chip de comunicação celular, da leitura de um ponto de medição de água e do rateio do custo de um chip de comunicação celular para 250 pontos de iluminação, supondo que um concentrador de iluminação comporte 250 pontos. A Tabela 1 sumariza estes dados e totaliza o cálculo da receita mensal, incluindo a cobrança do ISS (19%) e no final descontando os 30% do compartilhamento para a revisão tarifária.

 

Em relação ao custo de instalação destes 3110 dispositivos, foi verificado que para cada ponto existe um custo de ativação de R$ 50,00 e um custo de aquisição de licença de R$ 2,50, ambos cobrados em parcela única no momento da instalação, totalizando um custo de R$ 163.275,00.

 

Quanto à necessidade de investimentos em infraestrutura da rede Smart Grid, verificou-se que para estes tipos e quantidades de dispositivos não há a necessidade de expansão da rede.

Analisando-se o cenário descrito verificou-se que a receita anual, já descontando os 30% de compartilhamento referentes à revisão tarifária, é de R$ 58.789,47, o que indica que o payback da instalação ocorre em menos de 5 anos, e que o resultado econômico do compartilhamento da rede é positivo.

TABELA 1 – Cálculo da Receita Mensal.

 

Cabe destacar que este é um cenário conservador sobre a viabilidade econômica do compartilhamento da rede de comunicação Smart Grid, mas que ao mesmo tempo demonstra que é um recurso que deve ser levado em consideração na decisão da implantação das redes inteligentes pelas concessionárias.

CONCLUSÕES

Este projeto valida na prática a viabilidade técnica da utilização das redes Smart Grids como meio de comunicação para aplicações voltadas ao conceito de Smart Cities e IoT. Testa o compartilhamento com base na implantação de três diferentes aplicações, quais sejam: controle de iluminação pública, medição remota de consumo de água e aquisição de dados de estações meteorológicas. Avalia o desempenho da rede Smart Grid para posterior comparação de desempenho, quando da instalação das aplicações em campo. Ademais, estuda a viabilidade econômica do compartilhamento da rede com as novas aplicações prospectadas e os resultados indicam que a solução é viável, auxiliando no retorno do investimento por parte da concessionária e na redução de custos com comunicação para as empresas que usufruírem do compartilhamento.

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